segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A Terceirização do Ensino Público

Editorial:

A Terceirização do Ensino Público

Solução ou Embuste?

Este artigo foi publicado por; Francisco Valente;
E Complementado com algumas adaptações Por; Alvarez Silveira Especialista em Educação, formado na PUCRS, que constatou no texto uma boa abordagem e de grande valia, pois aqui no Rio Grande do Sul a educação Estadual esta quase no mesmo padrão dos de São Paulo.
Jornais de São Paulo divulgaram notícias, há poucos dias, sobre a aquisição, por muitos municípios, de “sistemas de ensino” fornecidos por empresas privadas de prestação de serviços educacionais, para utilização nas escolas de Ensino Fundamental. Trata-se do “ensino apostilado”, composto, geralmente, de caderno de conteúdos, caderno de exercícios e manual do professor.
Esses materiais são fornecidos pela iniciativa privada e são – de acordo com a publicidade que se faz a respeito – “o resultado último e aprimorado de experimentos de sucesso de muitas escolas particulares”. São os “sistemas de ensino” Positivo, COC, Objetivo, Anglo, Dom Bosco – só para citar os mais conhecidos.
Alguns depoimentos – de pais - dão conta de que “a qualidade do ensino mudou, para melhor”, após a introdução de tais “sistemas”. Os referenciais para essa constatação: mais lições de casa e a existência de apostilas “garantindo” o que se ensina.
Independentemente de questionamentos sobre os interesses, práticas e reais intenções de tais empresas educativas e do padrão de “qualidade” de seu material didático, a introdução de material pago (e, geralmente, bastante caro) no ensino público regular deve merecer considerações de ordem pedagógicas, éticas e administrativas, tais como:
Pressupostos pedagógicos: há que se verificar o embasamento técnico-pedagógico de tais “sistemas de ensino”; é o ensino tradicional, ainda hegemônico na maioria dos colégios particulares (apesar do “verniz” construtivista)?
Ecletismo ou sincretismo: muitas propostas mesclam “o que há de melhor” em vários modelos pedagógicos; outras propostas apenas juntam traços díspares de vários modelos, costurados de forma a dar inveja à letra do “samba do crioulo doido” do saudoso Stanislaw Ponte Preto.
Instrucionismo: tais “sistemas” de ensino se baseiam, muitas vezes, no “instrucionismo” - concepção (behaviourista) de que todos têm condições de aprender, desde que a escola insista nisso – num esquema que privilegia a informação (e não o conhecimento) utilizando a capacidade de memorização do aluno como ferramenta de incorporação do novo (Quem se lembra da (ex) LDB 5.692/71 – a que não deixou saudades?). Essa “técnica” pode funcionar com o ensino de línguas, mas será que educa? E será assim que se aprende?
Informação e memorização – as bases do empirismo: num “sistema” que privilegia a informação memorizada (base geral do ensino apostilado, e tal como se fazia no ensino tradicional no século passado e se faz, ainda hoje, nos cursinhos preparatórios para faculdades) há lugar para a construção do conhecimento a partir de desafios e situações-problema que o professor propõe ao aluno?
Diferenças e semelhanças entre alunos: partindo do princípio de que sujeitos são diferentes (por mais que se assemelhem e tenham a mesma idade), têm biografia, motivação e estruturas mentais individuais, como atendê-los a partir de materiais didáticos fabricados em escala industrial?
Adequação às diferentes realidades sociais: os materiais didáticos servem para crianças da área rural da mesma forma que podem servir para crianças de áreas urbanas?
Estão previstas adequações do material às realidades locais? Essas adequações (caso existam) levam em conta as diferenças regionais do Brasil?
Formação e treinamento de professores: professores são treinados? E se o são, são treinados para educar ou somente para saber manejar os materiais apostilados feitos em escala industrial?
Engessamento do trabalho em sala de aula: sabemos que muitos dos métodos utilizados em sistema de franquia proíbem terminantemente que os professores modifiquem qualquer tópico do caderno de conteúdos “para não haver o risco de perda da qualidade do trabalho”. Que “qualidade de trabalho” exótica é essa que tolhe o professor no desempenho de suas atividades em sala de aula?
A construção da cidadania: conceitos como valores éticos, cooperação, tolerância, respeito à diversidade – elementos de construção da cidadania – são operacionalizados (ou seja, tematizados) em sala de aula)?
Há espaço, nesses materiais e nesses “sistemas” de ensino, para a pesquisa, o questionamento, o enfrentamento das verdades “inquestionáveis” – procedimentos absolutamente necessários para que o aluno se prepare para construir sua própria noção de mundo?
Como é feita a aquisição de tais materiais e serviços educativos por parte das Prefeituras Municipais? Por licitação, carta-convite, dispensa de licitação por “notória especialização”? O Brasil possui cerca de 6.500 municípios – uma presa apetitosa para “empresários da educação” e agentes políticos inescrupulosos.
Preços: quais os referenciais utilizados para definir os preços para a implantação e continuidade desses “sistemas” de ensino? Quem fiscaliza quem?
Controle de qualidade e avaliação: e quanto ao controle de qualidade? A avaliação é externa (feita por organismo não ligado à Prefeitura ou à prestadora de serviços) ou se restringe, unicamente, aos resultados das provas dos alunos?
A grande alegação para a adoção do ensino apostilado via empresas particulares de educação tem sido a constatação, em todo o país, de que a escola pública de ensino fundamental não ensina seus alunos a ler e escrever.
Todavia, ler e escrever – passos fundamentais para a inserção na sociedade – não são os únicos objetivos a serem alcançados.
O Ensino fundamental é a preparação para a vida em sociedade e para o melhor trânsito, do cidadão, em todos os seus âmbitos: da lei, do trabalho, da saúde, hábitos e bom costumes, das artes e da cultura em geral.
Para isso é necessário que crianças e jovens sejam educados – mais que simplesmente transmitir a técnica de reconhecer caracteres gráficos em forma de palavras – e que tenham não somente contato com informações, mas que saibam trabalhar com elas – o que denominamos domínio de competências e habilidades.
Certamente não será com a introdução, na escola pública, dos “sistemas de ensino” industrializados que teremos melhores resultados na educação básica, mas, sim, investindo na qualidade e formação dos professores.
Essa providência deve começar pela qualificação dos cursos de magistério - de nível médio e superior – e pela oferta, em grande escala, de cursos de formação e aperfeiçoamento de docentes.
O mestre Paulo Freire encarava o professor como um orientador-mediador entre o conhecimento e seus alunos – e isso, muito antes de mediação pedagógica ter se tornado moda, a reboque do advento das novas tecnologias educacionais.
Freire via o trabalho do professor competente - ou seja, aquele cujos alunos aprendem - como o resultado de um tripé – conhecimento de sua área de trabalho, responsabilidade para com a educação e compromisso para com seus alunos.
Esse tipo de professor não se forma adotando papel colorido nas salas de aula, mas com boa formação técnica, motivação financeira e escolas bem equipadas; e por bem equipadas, em termos de Brasil, queremos falar não em equipamentos de informática e telemática, mas teto sem goteiras, carteiras para todos os alunos e livros, muitos livros nas salas de leitura.
Além disso, o sucesso na educação pública depende, grandemente, de agentes políticos (ou seja, prefeitos, vereadores, assessores de executivos municipais) que norteiem seu trabalho pela honestidade e satisfação do interesse público.

2 comentários:

  1. CONCORDO PLENAMENTE QUANDO VOCÊ DIZ "QUE" QUALIDADE DE TRABALHO ...FALTA MUITA E DEVEMOS PRIVATIZAR SIM EU SOU A FAVOR....ABRAÇO...

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  2. Bravo colega! Mas não sejamos hipócritas a ponto de 'desconhecer' que muitos de nossos colegas professores contribuem significativamente com esse processo de 'alienação' cultural porque estão muito preocupados com seus problemas de classe (salários, condições de trabalho e benefícios)que esquecem-se que os alunos não têm culpa de nada disso. TEMOS QUE COMEÇAR A NOS DAR CONTA QUE NÃO PODEMOS ACOMETER NOSSOS ALUNOS DAS NOSSAS FRUSTRAÇÕES PROFISSIONAIS. Pensar só nas nossas condições de trabalho e fazer disso 'justificativa' para um mal trabalho na sala de aula é reproduzir a mesma linha de pensamento dos que tanto criticamos: Os políticos que cuidam muito bem de seus interesses trabalhistas. Quem somos nós para criticar se só reivindicamos por melhores salários e nunca por melhores salários e nunca por melhor EDUCAÇÃO PARA NOSSOS ALUNOS?


    Beijos

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